Compartilhe este post:

A fenilcetonúria, também conhecida como FEN ou PKU (do inglês “Phenylketonuria”), é uma condição genética em que o corpo não consegue processar corretamente a fenilalanina (FAL), um aminoácido essencial presente em muitas proteínas/alimentos que comemos. Esta condição é um tipo de erro inato do metabolismo e é causada por uma alteração genética recessiva.

Aminoácido Fenilalanina

Devido à deficiência na enzima fenilalanina hidroxilase, indivíduos com FEN não conseguem converter a fenilalanina em tirosina, levando ao acúmulo deste composto no sangue. Isso pode causar danos significativos, especialmente ao desenvolvimento do cérebro e ao funcionamento do sistema nervoso central.

Entendendo a Herança da Fenilcetonúria: Um Guia Visual

Esta imagem acima mostra como uma doença genética recessiva (como a FEN) é herdada dentro de uma família. Aqui estão os pontos principais para entender:

  • Pai e Mãe: Ambos os pais são representados como não afetados pela doença, mas são portadores do gene. Isso significa que cada um tem um alelo (versão do gene) saudável (A) e um alelo que pode causar a doença (a). Eles não têm a doença porque o alelo saudável domina.
  • Genes dos Pais: Cada pai possui um par de alelos para essa característica genética, um dominante (A) e um recessivo (a).
  • Filhos: Os pais podem passar um de seus alelos para cada filho. A combinação que o filho recebe determinará se ele terá a doença.
  • Filho à esquerda (AA): Ele possui os dois alelos dominantes, ou seja, não é nem portador do alelo que pode causar a doença.
  • Filho e filha ao centro (ambos Aa): Recebem um alelo dominante (A) de um dos pais e um recessivo (a), o que significa que eles são apenas portadores do alelo da doença como seus pais, sem desenvolver a doença.
  • Filha à direita (vermelho): Esta filha recebeu o alelo recessivo (a) de ambos os pais (aa), o que significa que ela não tem o alelo dominante para “protegê-la”, então ela desenvolve a doença.

Em resumo, apenas o indivíduo que recebe os dois alelos recessivos (a) de cada um dos pais (representado pela filha em vermelho) manifestará a doença.

Importância do Diagnóstico Precoce

A FEN foi identificada pela primeira vez em 1934 pelo médico norueguês Asbjorn Fölling e foi a primeira doença genética a receber um tratamento dietético específico. Este histórico destaca a importância crucial do diagnóstico precoce.

No Brasil, o teste do pezinho, que é obrigatório desde 1992, serve como principal meio de diagnóstico, permitindo intervenções nutricionais imediatas para diminuir os riscos de sequelas graves no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças afetadas.

Implicações Clínicas e Epidemiológicas

Globalmente, a prevalência da fenilcetonúria é estimada em cerca de 1:10.000 recém-nascidos, variando significativamente entre diferentes nações e grupos étnicos.

Os países com mais casos de fenilcetonúria são a Irlanda, com um caso a cada 4.500 pessoas, e a Turquia, com um caso a cada 2.600 pessoas. Já na Finlândia, no Japão e na Tailândia, a condição é muito mais rara, ocorrendo em um a cada 200.000, 143.000 e 212.000 pessoas, respectivamente. No Brasil, a quantidade de casos varia entre um a cada 15.000 e um a cada 25.000 pessoas.

A detecção precoce e um tratamento contínuo são fundamentais para prevenir atrasos no desenvolvimento, comportamentos agitados, padrões autistas e convulsões— sintomas frequentemente associados à doença sem o manejo adequado.

Estratégias Nutricionais para Gerenciamento da FEN

O manejo da FEN é essencialmente nutricional, focando na restrição de alimentos ricos em fenilalanina para manter os níveis plasmáticos desse aminoácido dentro de limites seguros. Os níveis ideais são mantidos abaixo de 6 mg/dL na infância e até 10 mg/dL na vida adulta. A dieta envolve:

  1. Alimentos Proibidos: Carnes, ovos, leite e seus derivados, além de leguminosas como feijão, ervilha, lentilhas, soja e grão-de-bico.
  2. Alimentos Controlados: Verduras, legumes, frutas e cereais que devem ser consumidos com moderação e sob orientação nutricional.
  3. Alimentos Liberados: Açúcar, mel, chá, café, groselha, refrigerantes, sucos de fruta, e doces como algodão doce, balas de fruta, geleias, picolés, pirulitos, goiabada e marmelada, além de condimentos como óleo, sal, pimenta, mostarda, vinagre e limão.

Para garantir a eficácia do tratamento, é fundamental também que as famílias estejam atentas à composição dos produtos que consomem. Isso inclui a leitura cuidadosa dos rótulos de medicamentos e alimentos industrializados, verificando a presença de fenilalanina. É também crucial evitar alimentos que contenham aspartame, um adoçante que é fonte de fenilalanina.

Suplementação com Fórmulas Especiais

Devido às restrições alimentares severas, a dieta dos fenilcetonúricos deve ser complementada com fórmulas especiais de aminoácidos isentas de fenilalanina. Este suplemento é disponibilizado gratuitamente pelos governos estaduais e pelo Distrito Federal, pois ajuda a garantir a ingestão adequada de proteínas sem riscos adicionais e devem ser administradas ao longo do dia; adaptando-se às necessidades que variam com a idade (ex: adultos consomem bem menos do que quando eram crianças ou adolescentes, dada a fase de desenvolvimento) e não como única fonte alimentar, para evitar a Síndrome da Deficiência de Fenilalanina.

LEIA TAMBÉM:  Esquema Alimentar de Bebês de 0 a 3 meses com Fenilcetonúria

Os Riscos de Uma Dieta Sem Fenilalanina: Consequências e Sintomas da Deficiência

Estabelecer uma dieta completamente livre de fenilalanina poderia resultar em danos mais severos do que aqueles causados pela própria Fenilcetonúria. Tal regime alimentar poderia levar à Síndrome da Deficiência de Fenilalanina, que se manifesta através de sintomas como eczema grave, prostração, ganho de peso inadequado, desnutrição, deficiência mental (um dos principais sintomas observados) e crises convulsivas.

Os Riscos de Consumir Alimentos Ricos em FAL ao Interromper a Dieta para Fenilcetonúria

Pesquisas realizadas em diversos países demonstram que a interrupção desta dieta especial (baixa em FAL) pode resultar em deterioração das funções mentais e alterações comportamentais. Portanto, é vital manter essa dieta hipoproteica, que inclui o suplemento isento de fenilalanina, ao longo de toda a vida.

A Luta Diária de Uma Antiga Colega com a Fenilcetonúria

Em 2017, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, enquanto trabalhava no Ambulatório de Fenilcetonúria (AFEN), tive um encontro inesperado com uma antiga colega de escola, com quem estudei na primeira série do ensino fundamental (sim, tenho memória de elefante). Naquela época, eu não sabia, mas ela tinha fenilcetonúria, o que explicava por que ela nunca consumia a merenda da escola e sempre trazia bolo caseiro feito pela mãe, uma medida para controlar sua ingestão de fenilalanina.

Durante a consulta, ela compartilhou que estava há quase dois anos sem pegar a fórmula especial isenta de fenilalanina, fornecida pela rede pública de saúde (por ter ficado um tempo sem receber da farmácia de alto custo e depois, por desleixo de não ir atrás ver se havia chegado o item).

Ela expressou seu cansaço e frustração com a necessidade de manter uma dieta tão restritiva e revelou que havia relaxado nas restrições (estava consumindo muito um fast-food famoso, por exemplo), o que estava causando vários sintomas, incluindo confusão mental e fadiga.

Este reencontro foi um lembrete das complexidades e dos desafios enfrentados por indivíduos com fenilcetonúria e a importância do apoio contínuo no gerenciamento dessa condição.

Educação e Adesão ao Tratamento

Essa questão do apoio da família, além da educação contínua dos pacientes, pais e cuidadores (como parentes e na escola) é vital para o sucesso do tratamento. Compreender a importância de seguir rigorosamente a dieta prescrita e o uso correto das fórmulas especiais é essencial para controlar a doença e assegurar uma qualidade de vida adequada.

Estratégias educativas devem abordar o preparo correto das fórmulas e o reconhecimento dos alimentos proibidos e permitidos, promovendo uma adesão efetiva ao plano dietético.

A dieta para indivíduos com fenilcetonúria (FEN) é crucial e envolve uma rigorosa limitação de alimentos ricos em fenilalanina. Este controle é essencial para promover o desenvolvimento e crescimento saudáveis, particularmente em crianças e adolescentes.

A alimentação indicada para os fenilcetonúricos é algo muito único na Nutrição: Como você pode ver, ela exclui alimentos de alto teor proteico como carnes, ovos, leite e seus derivados, e alimentos ricos em proteína vegetal (ou seja, é como se o paciente tivesse que ter uma dieta vegana, e ainda não pudesse consumir nenhuma proteína vegetal, ficando mais restrita ainda).

E alimentos como frutas, vegetais, açúcar, mel e alguns óleos são permitidos e desempenham um papel crucial na manutenção de uma nutrição adequada sem exceder o consumo de fenilalanina (isso causa muita estranheza aos pais/ responsáveis quando ensinado pelo nutricionista/médico, pois não estamos habituados a ter óleos, açúcar, doces e mel “liberados” dessa forma, e na fenilcetonúria, é!).

Embora a fenilcetonúria represente um desafio significativo devido às restrições dietéticas severas (mas estritamente necessárias), com o plano nutricional correto e acompanhamento adequado, os fenilcetonúricos podem levar uma vida saudável e plena. A conscientização sobre os alimentos permitidos (“livres”), controlados e proibidos é crucial para controlar eficazmente a doença e promover o bem-estar geral.

O manejo da FEN depende não só de um plano nutricional bem estruturado, como de uma abordagem multidisciplinar envolvendo médicos, nutricionistas e educadores, além da ajuda da família e amigos.

Se você ou alguém na sua família tem fenilcetonúria e precisa de ajuda com um plano alimentar adequado ou orientações nutricionais específicas, não hesite em me procurar para uma consulta (seja presencial ou online). A fenilcetonúria não deve ser um obstáculo para o bem-estar e desenvolvimento, e sim um desafio que podemos superar juntos com o conhecimento adequado e medidas preventivas!